A inspiração
veio do professor da academia: dor é a
fraqueza querendo sair do corpo.
Naquele momento
eu só sorri. Aquele sorriso meio amarelo, desconcertado, entre uma pedalada e
outra. Sem muitas condições de raciocínio.
A concentração
no esforço. A respiração forçada. A mente gritando com o corpo: vai, você consegue!
E então você
acha que chegou ao seu limite. Mas não. É possível mais um pouco. Mais
tempo, mais carga, mais velocidade. Mais suor. E finalmente encontra a dor.
E como em tudo
na vida existe a fronteira - as vezes tênue - entre o que o é suportável ou não.
Dependendo do seu estado de hipnose com o exercício você nem se dá conta do que
ela faz.
Lembro-me de
uma luta do Minotauro em que o adversário torce o braço dele até quebrar. E ele
mal percebe. Qual o limite desta dor? Concentração tamanha que não permite
sensatez.
Para mim é como
meditação. A cabeça esvazia. Os sentidos aguçados. Música alta. Coração acelarado. Você olha para frente. Impõe sua cadência. Fecha os olhos e repete o mantra: só mais
um pouquinho... só mais um pouquinho... e 45 minutos podem desaparecer
rapidamente.
Pensando agora,
percebo como o a atividade física é hipnótica. E em quanto a nossa mente
tem poder sobre nosso corpo. Tá bem, todo mundo sabe disso. Porém, não pratica.
Tudo é uma
questão de querer para poder. O poder de definir metas e alcançá-las. E não é a
dor que vai te impedir – nem a física e nem a mental.
Porque a dor
metal pode ser ainda maior do que a física...
E dor é
fraqueza mesmo. Ele tem razão! Músculos fracos, mentes fracas. Tudo que não
suportamos se transforma em dor.
Novamente
como tudo na vida: o corpo se acostuma com essa dor. E pede mais.
Praticar o exercício e não sentir dor é como se não valesse o treino. E 24 horas depois
lembrar que você exagerou um pouco é extremamente prazeroso. Porque a dor
também traz prazer.
Não vou
levantar a bandeira sado/masoquista, pois nada disso tem a ver comigo. Mas a
dor proveniente do exercício físico é viciante.
Ai você
descobre que a melhor forma de aliviar aquele dor é com outra bateria de esforço...
Com isso, o
ciclo se fecha. E você precisa cada vez mais daquilo. Para relaxar ou para
estressar. Para esquecer ou para lembrar. Para se sentir vivo ou morto. Para sentir o suor brotar por todos os poros. Para sentir o arrepio da brisa fresca. Para sentir...
Simplesmente
para sentir. Todas as outras coisas. Além da dor.
Já rodei muito
por ai. Conheço muitas capitais, algumas praias desertas – ou quase, destinos
de aventura, metrópoles que não dormem e uma infinidade de culturas. Mesmo
dentro de um mesmo país do tamanho do Brasil temos uma diversidade absurda de
cidades.
O trabalho me
levou por 3 interessantes modelos de capitais dentro de um mesmo mês e quero
compartilhar minha experiência...
Comecei em
Porto Alegre, onde o povo tem o seu vocabulário próprio como qualquer outro
extremo: como todos sabem o pão francês é cassetinho – já começa por ai! E tem
mais um zilhão de outros itens que precisam de tradução para alguém de fora.
Passei por SP e sua infinidade de ‘gringos’, meus amigos queridos e um tempo
maluco. Terminei em João Pessoa- na Paraíba, para os desavisados – num clima
quente e cheio de vento que impede qualquer mulher de se manter maquiada e
penteada por muitas horas.
Mas o que quero
falar é dos cenários. Para quem gosta de observar o que está a sua volta, digo que foi
um mês um tanto cheio de surpresas.
Chegar a Porto
Alegre num domingo chuvoso é chato. Silencioso, demorado e muito, muito chato,
o domingo se arrastou por horas cinzentas. Porto Alegre já era uma velha
conhecida, mas mesmo assim o tempo era cinza e meu humor estava exatamente da mesma
cor. Dias depois o sol resolveu aparecer e o mundo todo sorriu.
Cheguei ao
quarto do hotel num fim de tarde e de cara com o por do sol. Afirmo que um dos
mais belos que me recordo... Eu estava no alto, mais precisamente no 11º andar
e presenciei os últimos minutos do brilho rosa-alaranjado sumindo atrás do rio
Guaíba. Fiquei alguns segundos parados diante do poder daquele astro. Quente,
poderoso. Um colorido que não aquece apenas o corpo, mas repõe energias
internas, ilumina o interior da cabeça e me faz lembrar a preciosidade da vida.
Não consigo me
lembrar do que passou pela minha cabeça, mas o encantamento era hipnótico. Apesar
de não me sentir em casa naquela cidade, por alguns segundos esqueci tudo e
fiquei em silêncio no meio do nada. Perdida. Ou acolhida?
De Porto Alegre
para São Paulo e mais um domingo. Mesmo para quem gosta de agito, SP ainda pode
impressionar. Ainda mais na Av. Paulista. Desta vez o fim de tarde estava
quente e todos aqueles bares cheios de pessoas semi-embriagadas. Uma multidão
passeia pela rua, uns com seus namorados, outros com cachorros, outros ainda
com crianças. Prédios que brotam por todos os lados, ônibus, motos, carros,
metrô e por um momento sinto o conforto de estar em casa. São Paulo já não é
mais minha casa há alguns anos, mas aquele ar quente e parado me trouxe
recordações dum tempo que eu vivia fazendo tudo àquilo naquele lugar.
E meu coração
de encheu de nostalgia. Meio melancólica acabei por me sentir solitária, como
uma intrusa num mundo que não te pertence mais. Pareceu até outra vida. Como se
os tempos de Av. Paulista tivessem acontecido com uma outra Valeria.
Transformada pelas lembranças, senti meu olhos úmidos. Mistura de cheiros e
sabores. Lembrança das noites passadas naquelas calçadas. Os namorados e os
cinemas. A juventude meio rebelde. E aquele ‘maldito’ boteco Opção – que tem
exatamente a mesma atmosfera há sei lá quantos anos. Maldito no sentido bom da
palavra, se é que é possível.
E por fim João
Pessoa que me abraçou com o vento e me lambuzou de maresia. Me acordou todas as
manhã – as 5 horas! – com o sol inundando o quarto. Que me permitiu trabalhar
de vestido e sem meia calça. Preencheu meu ser de alegria e de suas comidas
típicas – e fortes! Com o sotaque arrastado. Com a água quente saindo das
torneiras. Com a sensação de já ter estado naquele lugar, mesmo sem nunca ter
pisado na cidade antes. A visão do mar e as variações de verde. Cada hora do
dia um verde diferente – às vezes turvo, às vezes claro.
O vento forte e
contínuo que bagunça a roupa, que embaraça o cabelo e que carrega areia para
todo canto. Vento impressionante, incansável. Que provoca arrepios. Que grita
durante a noite e refresca os dias. E então a imagem final – na ultima noite –
é de uma lua refletida na água do mar. Prateando as ondas, acinzentando a
areia. As luzes dos barcos espalhas ao longe. O vento que leva e traz as nuvens
que escondem a lua e então, de novo trazem seu brilho. E mais uma vez me sinto
mole, boquiaberta. Parada. Com aquela sensação de não pertencer aquele lugar,
mas com uma nostalgia amiga. Como se tudo aquilo fizesse parte de mim.