Inédito. Será? Não lembro.
Escuro. Desisto da cama. Meus olhos acostumados dançam pelo quarto. Andam até a sala. Param na cozinha. O brilho vem de fora. Lua. Convido timidamente: Lua, vem brincar comigo? Não tenho resposta. Muda.
Silêncio. Silêncio completo. Silêncio absoluto.
Morfeu não veio me ver. Deve estar de mal. Não enxergo a razão. Sempre nos demos tão bem... Bem até demais! Mas não esta noite. Procuro o porquê nas profundezas da minha alma. Vasculho. Xereto. Não acho. Talvez a resposta não esteja na cozinha. O frio começa a dominar meus membros. Escalar meu corpo. Penso no cobertor que está na sala. A cama ainda não é atraente. Morfeu realmente não me quer em seus braços. Não tão cedo.
A sala parece mais confortável. O sofá nem tanto. Fico no chão. Gosto tanto de sentar no chão... E me enrolo no cobertor. O escuro é ainda mais confortável. Às vezes sinistro. Misterioso. Não tem brilho. Mas tem encanto.
Encaro a TV. Ela também tem seu brilho. Não assim um astro, mas tento um novo convite – desta vez mais firme: E vc TV, não quer brincar comigo? Opa! Acendeu. Achei que a claridade era da TV. Percebo a luz através da persiana. Na vizinha. Ela também arranjou uma encrenca com Morfeu? Será que não é com ela a pendenga e ele errou de porta? Me viu ali de bobeira e sobrou pra mim?
Silencio quebrado. A porta da vizinha bate. Espio pela janela. Ela não pode me ver. A janela está levemente embaçada. Frio. Lá fora é muito frio. A vizinha circula pela casa. E vai fazendo barulho e iluminado tudo ao redor. Vai até a cozinha. Volta. Liga a TV. Será uma rotina? Parece tão natural pra ela. Não me sinto bem assim - longe dos braços de Morfeu. Não gosto da sensação. Tem que ter algo errado. A sala também não tem a resposta. E nem as minhas entranhas.
Não sei por quanto tempo rolei na cama. Não sei por quanto tempo fiquei em pé na cozinha. A conversa com a lua não durou muito. Sinto como se o tempo tivesse parado. Congelado. Como se tudo e todos estivessem imóveis. A não ser pela vizinha... Ela quebrou o escuro. Quebrou o silêncio. Quebrou o encanto.
Tenho paixão pela noite. Minha cabeça funciona melhor. Não posso trocar o dia pela noite. Morfeu talvez não se importe. Meu outro companheiro de cama com certeza se importa. Em breve ele deve acordar. E é provável que eu ainda esteja acordada.
Preciso de alguém - ou alguma coisa - para brincar. Papel e caneta sobre a mesa. Será que eles aceitam? Não vou resistir à outra rejeição. A lua e a TV não me respondem. Devo fazer o convite? Medo. Duvida. Escuro. Silêncio.
Nem pergunto. Paquero o papel branco. A caneta vermelha. Olhos cada vez mais acostumados ao escuro. Não quero a luz. Caneta sobre papel. Palavras que não se encaixam nas linhas. Porém, elas fluem. Rapidamente. Deslizam atrapalhadas sobre o papel. Urgentes. Como se o tempo fosse acabar. Ele não estava parado? Escrevo como se estivesse correndo para sobreviver. E aos poucos sinto os olhos pesados. Mãos leves. Vacilo. Bocejo. Sim, sim, eu sei, sei. Está na hora. Me entrego. E então Morfeu começa a fazer as pazes comigo. Aconchego-me em seus braços. Aqui mesmo na sala.
Mes olhos se fecham devagar. O sol começa a dar sinais do novo dia. O escuro está indo embora. O silêncio também. Em minha última prece agradeço ao papel e caneta. Eles vieram brincar comigo. Desenharam o caminho de encontro ao sono. Para encontrar descanso. E enfim, me encontrar.
*WIKIPÉDIA*
Morfeu (do grego Μορφεύς, "moldador [de sonhos]") é o deus grego dos sonhos.
Morfeu tem a habilidade de assumir qualquer forma humana e aparecer nos sonhos das pessoas como se fosse a pessoa amada por aquele determinado indivíduo. Quando uma pessoa augura-se: vá para os braços de Morfeu, significando dormir bem.
Curiosidade: A droga morfina tem seu nome derivado de Morfeu, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos.
Texto escrito em agosto/2009, na cidade de Bagé/RS.
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