"Hoje Miau foi pro céu dos gatinhos". Assim minha mãe me deu a notícia.
Ela nasceu no carnaval e nos deixou no dia de Santo Antônio. Datas tão especiais como a gata que me deu tantas alegrias. Companheira de cama de muitas noites. Companheira de brincadeira de muitas tardes. Companheira de sol de muitas manhãs.
Ela chegou em casa logo depois que meu pai morreu. Eu e meu irmão ainda estávamos meio perdidos e ela veio para nos dar um pouco mais de sentido. E lembrar que cada vida que vai tem sempre outra que chega. E assim o ciclo continua pra quem permanece na Terra.
Miau nome engraçado e óbvio. Mas era assim que ela atendia. Tentamos dar outro nomes pra ela. Não adiantou. Só olhava se fosse Miau.
Focinho preto. Olhos azuis. Siamesa de gênio animal. Felina. Brincalhona. Irritadinha. Gostava de brinquedinhos - fitinhas, bolinhas e tudo mais que se mexia. Caçadora de pequenos insetos. E encarava qualquer cão maior que ela. Abusada. Cheia de vida e de energia. Pulava muros, desaparecia no cio. E voltava pra casa. Sempre voltava.
Guerreira. Passou por um câncer há dez anos. Sobreviveu como se nada tivesse acontecido. Teve um AVC há quatro anos e seguiu como se fosse apenas um tropeço. Teve muitos filhotes.
Teve uma vida de rainha. Ração importada. Sardinha. Água fresca. E de fresca ela não tinha nada. Adorava iogurte de morango, brigadeiro e presunto. Saia de qualquer canto quando sentia estes cheiros.
Dizem por ai que gato é estranho, independente e distante. Miau era o oposto. Adorava colo, carinho, amizade. Brincava de de esconde-escode, pega-pega. As vezes parecia cachorro, as vezes gente, as vezes fera. Mas era gato.
Foi ficando velha. Perdendo os dentes. Perdendo o brilho. Ganhando paciência. Tranquilidade. Teve o respeito dos filhotes que mesmo depois de velhos e crescidos ainda abaixanvam a cabeça e o rabo quando apareciam em casa. Era a dona da casa.
Eu e meu irmão saimos de casa e ela ficou lá com minha mãe. Porém cada vez que aparecíamos ela nos aceitava como se fosse vista todos os dias. Ainda me dava um beijinho quando me via. eu pega ela no colo e dizia: me dá um beijinho? Ela encostava o focinho no meu rosto e dava uma lambidinha.
Sumia nas festas. Aparecia quando alguém novo ia em casa. E adorava cutucar quem não gostava de gatos! Nos ultimos anos o peso da idade caiu sobre seus pelos. Comia pouco. Brincava pouco. Dormia muito.
Não sei se foi o frio ou a idade, mas não resistiu. Subiu ao céu como um anjo. Sem dar trabalho. Dormindo no quintal. Sob o sol que tanto gostava.
Vinte e um anos de vida plena. Vividas com toda a intensidade que um gato pode viver.
Dia triste. Dia de luto. Mais um pedaço de mim que se vai. E que deixa em mim a marca dos amados.
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