sexta-feira, 24 de maio de 2013

Dor



A inspiração veio do professor da academia: dor é a fraqueza querendo sair do corpo.

Naquele momento eu só sorri. Aquele sorriso meio amarelo, desconcertado, entre uma pedalada e outra. Sem muitas condições de raciocínio.

A concentração no esforço. A respiração forçada. A mente gritando com o corpo: vai, você consegue!

E então você acha que chegou ao seu limite. Mas não. É possível mais um pouco. Mais tempo, mais carga, mais velocidade. Mais suor. E finalmente encontra a dor.

E como em tudo na vida existe a fronteira - as vezes tênue - entre o que o é suportável ou não. Dependendo do seu estado de hipnose com o exercício você nem se dá conta do que ela faz.

Lembro-me de uma luta do Minotauro em que o adversário torce o braço dele até quebrar. E ele mal percebe. Qual o limite desta dor? Concentração tamanha que não permite sensatez.

Para mim é como meditação. A cabeça esvazia. Os sentidos aguçados. Música alta. Coração acelarado. Você olha para frente. Impõe sua cadência. Fecha os olhos e repete o mantra: só mais um pouquinho... só mais um pouquinho... e 45 minutos podem desaparecer rapidamente.

Pensando agora, percebo como o a atividade física é hipnótica. E em quanto a nossa mente tem poder sobre nosso corpo. Tá bem, todo mundo sabe disso. Porém, não pratica.

Tudo é uma questão de querer para poder. O poder de definir metas e alcançá-las. E não é a dor que vai te impedir – nem a física e nem a mental.

Porque a dor metal pode ser ainda maior do que a física...

E dor é fraqueza mesmo. Ele tem razão! Músculos fracos, mentes fracas. Tudo que não suportamos se transforma em dor.

Novamente como tudo na vida: o corpo se acostuma com essa dor. E pede mais.

Praticar o exercício e não sentir dor é como se não valesse o treino. E 24 horas depois lembrar que você exagerou um pouco é extremamente prazeroso. Porque a dor também traz prazer.

Não vou levantar a bandeira sado/masoquista, pois nada disso tem a ver comigo. Mas a dor proveniente do exercício físico é viciante.

Ai você descobre que a melhor forma de aliviar aquele dor é com outra bateria de esforço...

Com isso, o ciclo se fecha. E você precisa cada vez mais daquilo. Para relaxar ou para estressar. Para esquecer ou para lembrar. Para se sentir vivo ou morto. Para sentir o suor brotar por todos os poros. Para sentir o arrepio da brisa fresca. Para sentir...

Simplesmente para sentir. Todas as outras coisas. Além da dor.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Cidades




Já rodei muito por ai. Conheço muitas capitais, algumas praias desertas – ou quase, destinos de aventura, metrópoles que não dormem e uma infinidade de culturas. Mesmo dentro de um mesmo país do tamanho do Brasil temos uma diversidade absurda de cidades. 

O trabalho me levou por 3 interessantes modelos de capitais dentro de um mesmo mês e quero compartilhar minha experiência...

Comecei em Porto Alegre, onde o povo tem o seu vocabulário próprio como qualquer outro extremo: como todos sabem o pão francês é cassetinho – já começa por ai! E tem mais um zilhão de outros itens que precisam de tradução para alguém de fora. Passei por SP e sua infinidade de ‘gringos’, meus amigos queridos e um tempo maluco. Terminei em João Pessoa- na Paraíba, para os desavisados – num clima quente e cheio de vento que impede qualquer mulher de se manter maquiada e penteada por muitas horas.

Mas o que quero falar é dos cenários. Para quem gosta de observar o que está a sua volta, digo que foi um mês um tanto cheio de surpresas.

Chegar a Porto Alegre num domingo chuvoso é chato. Silencioso, demorado e muito, muito chato, o domingo se arrastou por horas cinzentas. Porto Alegre já era uma velha conhecida, mas mesmo assim o tempo era cinza e meu humor estava exatamente da mesma cor. Dias depois o sol resolveu aparecer e o mundo todo sorriu.

Cheguei ao quarto do hotel num fim de tarde e de cara com o por do sol. Afirmo que um dos mais belos que me recordo... Eu estava no alto, mais precisamente no 11º andar e presenciei os últimos minutos do brilho rosa-alaranjado sumindo atrás do rio Guaíba. Fiquei alguns segundos parados diante do poder daquele astro. Quente, poderoso. Um colorido que não aquece apenas o corpo, mas repõe energias internas, ilumina o interior da cabeça e me faz lembrar a preciosidade da vida. 

Não consigo me lembrar do que passou pela minha cabeça, mas o encantamento era hipnótico. Apesar de não me sentir em casa naquela cidade, por alguns segundos esqueci tudo e fiquei em silêncio no meio do nada. Perdida. Ou acolhida?

De Porto Alegre para São Paulo e mais um domingo. Mesmo para quem gosta de agito, SP ainda pode impressionar. Ainda mais na Av. Paulista. Desta vez o fim de tarde estava quente e todos aqueles bares cheios de pessoas semi-embriagadas. Uma multidão passeia pela rua, uns com seus namorados, outros com cachorros, outros ainda com crianças. Prédios que brotam por todos os lados, ônibus, motos, carros, metrô e por um momento sinto o conforto de estar em casa. São Paulo já não é mais minha casa há alguns anos, mas aquele ar quente e parado me trouxe recordações dum tempo que eu vivia fazendo tudo àquilo naquele lugar. 

E meu coração de encheu de nostalgia. Meio melancólica acabei por me sentir solitária, como uma intrusa num mundo que não te pertence mais. Pareceu até outra vida. Como se os tempos de Av. Paulista tivessem acontecido com uma outra Valeria. Transformada pelas lembranças, senti meu olhos úmidos. Mistura de cheiros e sabores. Lembrança das noites passadas naquelas calçadas. Os namorados e os cinemas. A juventude meio rebelde. E aquele ‘maldito’ boteco Opção – que tem exatamente a mesma atmosfera há sei lá quantos anos. Maldito no sentido bom da palavra, se é que é possível.

E por fim João Pessoa que me abraçou com o vento e me lambuzou de maresia. Me acordou todas as manhã – as 5 horas! – com o sol inundando o quarto. Que me permitiu trabalhar de vestido e sem meia calça. Preencheu meu ser de alegria e de suas comidas típicas – e fortes! Com o sotaque arrastado. Com a água quente saindo das torneiras. Com a sensação de já ter estado naquele lugar, mesmo sem nunca ter pisado na cidade antes. A visão do mar e as variações de verde. Cada hora do dia um verde diferente – às vezes turvo, às vezes claro. 

O vento forte e contínuo que bagunça a roupa, que embaraça o cabelo e que carrega areia para todo canto. Vento impressionante, incansável. Que provoca arrepios. Que grita durante a noite e refresca os dias. E então a imagem final – na ultima noite – é de uma lua refletida na água do mar. Prateando as ondas, acinzentando a areia. As luzes dos barcos espalhas ao longe. O vento que leva e traz as nuvens que escondem a lua e então, de novo trazem seu brilho. E mais uma vez me sinto mole, boquiaberta. Parada. Com aquela sensação de não pertencer aquele lugar, mas com uma nostalgia amiga. Como se tudo aquilo fizesse parte de mim.

*escrito em setembro/2012