Muito desse tempo eu passei sozinha, em casa, pensando e algumas vezes escrevendo. Tenho alguns textos sobre a vida, sobre a minha vida, sobre a vida dos outros e tudo mais.
Hoje tô só me acostumando com a idéia de ter um blog e pretendo ir mesclando texto antigos com o meu cotidiano que sempre tem algo de novo: uma cidade, uma pessoa, uma atividade e assim eu sigo.Antes de tudo quero deixar uma coisa que escrevi na tentativa de explicar o nome do blog, vai lá.
Entrando no clima
Trecho é uma palavra usada pelas pessoas que trabalham em construções de grandes obras e que em cada momento estão em um lugar diferente. É assim: você mora numa cidade para realizar um trabalho, quando este trabalho acaba você vai embora e vai para outra cidade realizar outro trabalho – ou o mesmo – e assim por diante. Eu nem sabia que isso podia acontecer, mas descobri que é um estilo de vida e quem começa e acostuma não consegue largar, uma paixão, um vício.
Comigo aconteceu por sorte do destino. Assim que voltei ao meu casamento, o meu marido recebeu uma proposta de trabalho. A mudança principal era a de cidade. Por muitas vezes pensamos em morar fora de São Paulo, exatamente por causa dos excessos que a cidade oferece. Pensávamos, mas nunca fizemos nada para que isso fosse real, até que oportunidade apareceu. Você tem que tomar muito cuidado com aquilo que deseja!
E lá fomos nós! Deixei um ótimo emprego, depois de 5 anos na mesma empresa para poder acompanhar o meu marido, e eu achei o máximo. A gente tinha acabado de voltar e entendi que essa era aprova de fogo, pois ficaríamos longe de tudo e de todos e isso provaria se a gente era pra ser mesmo.
Este primeiro trecho foi na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, praticamente 700 km de São Paulo. Era longe, mas perto o suficiente para passar um fim de semana na casa da minha mãe, caso alguma coisa desse errado. Antes de aceitar o emprego, eu e meu marido fomos passar um final de semana na tal cidade que eu nunca tinha ouvido falar.
A chegada na cidade foi interessante e descobrimos que ela nos oferecia um mínimo de conforto necessário. Aquelas coisas de banco, mercado, feira, comércio, restaurante, etc. A primeira coisa que perguntamos no hotel foi: “qual a melhor pizzaria da cidade?” E lá fomos, os paulistas, comer pizza no interior do MS. Era uma casa adaptada com um forno a lenha que servia pizza no quintal e claro, era na rua de trás da igreja matriz da cidade! Um mês após este passeio de reconhecimento já estávamos morando na cidade.
O trecho é assim, a gente chega, constrói uma vida e quando menos se espera vai embora. A maioria destas criaturas é homem e estão sempre atrás de condições melhores de trabalho e vão para aonde for melhor. Esse Brasil enorme tem uma carência muito grande de mão de obra qualificada e para se construir estas mega construções vem gente do mundo todo para ajudar. Alguns carregam a família junto, mas a maioria tem uma base segura em alguma cidade e os homens voltam para casa a cada 15, 20, 30, 60 dias, dependendo do tipo de acordo, do tipo de trabalho e da necessidade da coisa.
Conheci algumas mulheres do trecho, mas nenhuma delas acompanhada de família. Eram separadas ou solteiras, se tinham filhos moravam com o pai ou com a avó, ou sozinhos. Não conheci nenhum homem que acompanha as mulheres que resolvem seguir o trecho. Ao contrário das mulheres que deixam absolutamente tudo para viver ao lado de seus maridos trecheiros. O trecho é praticamente macho – e machista!
A vida do trecho é dura, são muitas horas diárias de trabalho, e como são muitos homens sozinhos o melhor mesmo é trabalhar e chegar em casa só para dormir. Morando em republicas ou sozinhos o melhor é não ter outra preocupação além do trabalho. E ai consegue acumular horas de trabalho para poder curtir as folgas com a viagem de volta pra casa com a família. Nada dessa coisa de fazer comida, cuidar da casa, é só o necessário básico.
Muitas histórias trágicas e engraçadas acontecem: homens que tem 2, 3 famílias, uma em cada cidade, homens sem família (ou com família) que vivem em “bregas” (puteiros) e que vão até lá para se aliviarem das necessidades da carne e da alma, e assim as meninas da casa se tornam amigas, amantes e namoradas fixas e sérias. Mesmo as moças de família da cidade se transformam e muitas delas sonham que um destes homens fiquem com elas e as levem embora para outra cidade – principalmente as cidades maiores – e algumas usam de armas pesadas e inventam gravidez, fazem escândalo, passam de cama em cama a procura de um libertador daquela vida pacata. Com essa quantidade de homens novos na cidade, imagina o alvoroço dessa mulherada. Ainda mais num lugar quente e relativamente pobre como Três Lagoas.
A dinâmica das cidades pequenas com grandes obras é muito interessante. A gente chega na cidade e todo mundo sabe que vc não é de lá. Os costumes, a fala, o modo de se vestir e tudo mais que vc é te entregam e te colocam como herói ou vilão, depende de quem vem do outro lado. As obras geram emprego, desenvolvimento, mas tb abalam as estruturas das cidades. O comércio incha e junto pode vir violência. Não dos trecheiros, mas sim de oportunistas que se aproveitam dos resultados.
Ser trecheiro é ser guerreiro, é não criar raiz, é inventar travessuras e desventuras para que a vida não se resuma ao trabalho, é formar família aonde quer que esteja, é não ter desculpa para fazer churrasco, tomar cerveja e reunir os conhecidos, é ter lembranças boas de todos os lugares, é conhecer terras e águas que muitos não se interessam, é vestir a camisa da empresa até a última gota de suor – até aparecer outra melhor, é enfrentar a saudade do lar, é ser louco e sereno. E se entregar de cabeça na aventura.
Val,
ResponderExcluirisso é incrível!!! Você, como sempre, é surpreendente... Adorei seu blog e, acredite, vai virar um livro.
Obrigada por me permitir ser uma das primeiras pessoas a lê-lo. Fico mais feliz por saber que fiz parte do início dessa Vida de Trecho. Sinto muita saudade de você e espero que um dia esse trecho se estenda até aqui, pertinho de mim, em Curitiba agora, ou que a gente se cruze em algum trecho da vida por aí, pra gente poder curtir nossa amizade relembrando como tudo começou.
Você sempre foi, ainda é e sempre será muito especial pra mim. Te adoro.
Grande beijo e... SUCESSO NA SUA VIDA DE TRECHO!
Luciana Bachtchen
fofa! saudade de ti! quem sabe um dia? Curitiba seria um belo trecho.... obrigada!! sucesso pra vc tb, pois pra vc tb é trecho novo... bjocasssssssss
ResponderExcluirCada um e cada qual! Valzinha amo a coragem de vocês! Fico mais feliz ainda por você ter encontrado alguém que te dê a mão para que possam se jogar de cabeça! Adoraria viver de trechos... mas essa é a sua história!
ResponderExcluirAmo você!
prima, irmã, amiga, alma gêmea.... vc quase vive assim, já mudou tante e já teve tantas surpresas que dá quase pra dividir em trechos... amo vc tb!!!
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