quarta-feira, 28 de julho de 2010

Trecho

Vida de Trecho é um projeto pessoal que tenho desde que caí na estrada. Nos últimos 3 anos andei por esse mundo e trabalhei e conheci gente e mudei de cidade e muita coisa aconteceu. De tanto me perguntarem "por onde vc anda?" resolvi divir meus pensamentos com o mundo virtual.
Muito desse tempo eu passei sozinha, em casa, pensando e algumas vezes escrevendo. Tenho alguns textos sobre a vida, sobre a minha vida, sobre a vida dos outros e tudo mais.
Hoje tô só me acostumando com a idéia de ter um blog e pretendo ir mesclando texto antigos com o meu cotidiano que sempre tem algo de novo: uma cidade, uma pessoa, uma atividade e assim eu sigo.Antes de tudo quero deixar uma coisa que escrevi na tentativa de explicar o nome do blog, vai lá.

Entrando no clima
Trecho é uma palavra usada pelas pessoas que trabalham em construções de grandes obras e que em cada momento estão em um lugar diferente. É assim: você mora numa cidade para realizar um trabalho, quando este trabalho acaba você vai embora e vai para outra cidade realizar outro trabalho – ou o mesmo – e assim por diante. Eu nem sabia que isso podia acontecer, mas descobri que é um estilo de vida e quem começa e acostuma não consegue largar, uma paixão, um vício.
Comigo aconteceu por sorte do destino. Assim que voltei ao meu casamento, o meu marido recebeu uma proposta de trabalho. A mudança principal era a de cidade. Por muitas vezes  pensamos em morar fora de São Paulo, exatamente por causa dos excessos que a cidade oferece. Pensávamos, mas nunca fizemos nada para que isso fosse real, até que oportunidade apareceu. Você tem que tomar muito cuidado com aquilo que deseja!
E lá fomos nós! Deixei um ótimo emprego, depois de 5 anos na mesma empresa para poder acompanhar o meu marido, e eu achei o máximo. A gente tinha acabado de voltar e entendi que essa era aprova de fogo, pois ficaríamos longe de tudo e de todos e isso provaria se a gente era pra ser mesmo.
Este primeiro trecho foi na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, praticamente 700 km de São Paulo. Era longe, mas perto o suficiente para passar um fim de semana na casa da minha mãe, caso alguma coisa desse errado. Antes de aceitar o emprego, eu e meu marido fomos passar um final de semana na tal cidade que eu nunca tinha ouvido falar.
A chegada na cidade foi interessante e descobrimos que ela nos oferecia um mínimo de conforto necessário. Aquelas coisas de banco, mercado, feira, comércio, restaurante, etc. A primeira coisa que perguntamos no hotel foi: “qual a melhor pizzaria da cidade?” E lá fomos, os paulistas, comer pizza no interior do MS. Era uma casa adaptada com um forno a lenha que servia pizza no quintal e claro, era na rua de trás da igreja matriz da cidade! Um mês após este passeio de reconhecimento já estávamos morando na cidade.
O trecho é assim, a gente chega, constrói uma vida e quando menos se espera vai embora. A maioria destas criaturas é homem e estão sempre atrás de condições melhores de trabalho e vão para aonde for melhor. Esse Brasil enorme tem uma carência muito grande de mão de obra qualificada e para se construir estas mega construções vem gente do mundo todo para ajudar. Alguns carregam a família junto, mas a maioria tem uma base segura em alguma cidade e os homens voltam para casa a cada 15, 20, 30, 60 dias, dependendo do tipo de acordo, do tipo de trabalho e da necessidade da coisa.
Conheci algumas mulheres do trecho, mas nenhuma delas acompanhada de família. Eram separadas ou solteiras, se tinham filhos moravam com o pai ou com a avó, ou sozinhos. Não conheci nenhum homem que acompanha as mulheres que resolvem seguir o trecho. Ao contrário das mulheres que deixam absolutamente tudo para viver ao lado de seus maridos trecheiros. O trecho é praticamente macho – e machista!
A vida do trecho é dura, são muitas horas diárias de trabalho, e como são muitos homens sozinhos o melhor mesmo é trabalhar e chegar em casa só para dormir. Morando em republicas ou sozinhos o melhor é não ter outra preocupação além do trabalho. E ai consegue acumular horas de trabalho para poder curtir as folgas com a viagem de volta pra casa com a família. Nada dessa coisa de fazer comida, cuidar da casa, é só o necessário básico.
Muitas histórias trágicas e engraçadas acontecem: homens que tem 2, 3 famílias, uma em cada cidade, homens sem família (ou com família) que vivem em “bregas” (puteiros) e que vão até lá para se aliviarem das necessidades da carne e da alma, e assim as meninas da casa se tornam amigas, amantes e namoradas fixas e sérias. Mesmo as moças de família da cidade se transformam e muitas delas sonham que um destes homens fiquem com elas e as levem embora para outra cidade – principalmente as cidades maiores – e algumas usam de armas pesadas e inventam gravidez, fazem escândalo, passam de cama em cama a procura de um libertador daquela vida pacata. Com essa quantidade de homens novos na cidade, imagina o alvoroço dessa mulherada. Ainda mais num lugar quente e relativamente pobre como Três Lagoas.
A dinâmica das cidades pequenas com grandes obras é muito interessante. A gente chega na cidade e todo mundo sabe que vc não é de lá. Os costumes, a fala, o modo de se vestir e tudo mais que vc é te entregam e te colocam como herói ou vilão, depende de quem vem do outro lado. As obras geram emprego, desenvolvimento, mas tb abalam as estruturas das cidades. O comércio incha e junto pode vir violência. Não dos trecheiros, mas sim de oportunistas que se aproveitam dos resultados.
Ser trecheiro é ser guerreiro, é não criar raiz, é inventar travessuras e desventuras para que a vida não se resuma ao trabalho, é formar família aonde quer que esteja, é não ter desculpa para fazer churrasco, tomar cerveja e reunir os conhecidos, é ter lembranças boas de todos os lugares, é conhecer terras e águas que muitos não se interessam, é vestir a camisa da empresa até a última gota de suor – até aparecer outra melhor, é enfrentar a saudade do lar, é ser louco e sereno. E se entregar de cabeça na aventura.

4 comentários:

  1. Val,
    isso é incrível!!! Você, como sempre, é surpreendente... Adorei seu blog e, acredite, vai virar um livro.
    Obrigada por me permitir ser uma das primeiras pessoas a lê-lo. Fico mais feliz por saber que fiz parte do início dessa Vida de Trecho. Sinto muita saudade de você e espero que um dia esse trecho se estenda até aqui, pertinho de mim, em Curitiba agora, ou que a gente se cruze em algum trecho da vida por aí, pra gente poder curtir nossa amizade relembrando como tudo começou.
    Você sempre foi, ainda é e sempre será muito especial pra mim. Te adoro.
    Grande beijo e... SUCESSO NA SUA VIDA DE TRECHO!
    Luciana Bachtchen

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  2. fofa! saudade de ti! quem sabe um dia? Curitiba seria um belo trecho.... obrigada!! sucesso pra vc tb, pois pra vc tb é trecho novo... bjocasssssssss

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  3. Cada um e cada qual! Valzinha amo a coragem de vocês! Fico mais feliz ainda por você ter encontrado alguém que te dê a mão para que possam se jogar de cabeça! Adoraria viver de trechos... mas essa é a sua história!
    Amo você!

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  4. prima, irmã, amiga, alma gêmea.... vc quase vive assim, já mudou tante e já teve tantas surpresas que dá quase pra dividir em trechos... amo vc tb!!!

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