sábado, 18 de junho de 2011

Nômade

Esta semana me perguntaram por duas vezes como é ter uma vida cigana. E ai, hoje, alguém muito especial escreveu: me ensina a ser nômade? Não sei se posso. Ou se devo. Sei apenas que sou uma apaixonada por esta vida - que tem altos e baixos como qualquer outra.

Pensando nisso cheguei à conclusão que ser nômade é ser egoísta. A gente não pode se importar muito com as outras pessoas. Amo cada alma que ficou. Lembro-me da minha família e dos amigos que deixei em São Paulo e sofro de saudade - um pouquinho, logo passa. Sei que pela maioria das pessoas eu não teria ido embora. Mas não pensei nelas. Não pensei na solidão da minha mãe, no apego da minha avó e na convivência das amigas. Pensei apenas na minha vida. Na minha vontade de deixar São Paulo e viver uma vida mais branda. Juntei o que restava de mim e caí na estrada.

E não levei muita coisa. Viver no trecho não te dá oportunidade de se apegar à nada material. Um sofá que cabe numa casa não cabe na outra. Uma cama também. A bicicleta. O guarda-sol. O armário da lavanderia. Fora aquele monte de tranqueiras que juntamos ao longo dos anos quando moramos num mesmo lugar - não tem espaço nesta vida. Cada mudança é um caminhão de cacarecos que se vão. Vão pra quem precisa. Pra quem vai dar mais utilidade do que eu dei. Se algum dia eu sentir realmente muita necessidade - mas muita mesmo! - eu compro outro. A roupa de verão comprada na Bahia não tem uso diário no frio de Curitiba. Os casacos grossos comprados em Bagé ficaram guardados numa caixa dum armário qualquer na Bahia. E assim vai.

Egoísmo e desapego são palavras que caem bem. Tem outras: solidão, curiosidade, coragem (ou cara de pau?), fé, humildade.

A solidão de chegar numa cidade nova e não conhecer ninguém. Ter que conviver com você mesmo por algumas semanas ou alguns meses, até que as pessoas comecem a te incluir num circulo fechado de amizade. Ter que aguentar você mesmo por algum tempo não é fácil - definitivamente: NÃO É FÁCIL! Tem dia que dá vontade de chorar. Tem dia que dá vontade de correr. E daí que entra a curiosidade. Quando você acha que chegou ao limite da solidão é a curiosidade que te tira da cama todos os dias pra que você conheça coisas novas e reaprenda coisas antigas. Curiosidade de saber quem são estas pessoas ao seu redor. O que elas fazem. Do que elas vivem. Elas vivem! E coragem para poder fazer estas e outras perguntas que vão preencher o vazio e a solidão inicial. Coragem pra largar aquilo que foi construído no último trecho. Coragem para fechar as caixas, separar o que não vai e esquecer o tanto que ficou. Coragem de ir embora e ter fé de que tudo vai dar certo. Acreditar que é o melhor que você pode fazer. Acreditar, simplesmente. E no fim, se nada daquilo que você planejou e acreditou não acontecer tenha a humildade de voltar. Lá no marco zero, no porto seguro - na casa da mãe, porque não?! Colocar o rabo no meio das pernas e começar de novo.

Nômade, cigana, trecheira. Sei lá. Quantas coisas eu aprendi. Quantos lugares eu conheci. Quanta gente eu encontrei. Coisas, lugares e pessoas que dançam dentro de mim. É isso que carrego comigo. É isso que enriquece minha vida. Que faz o sangue correr nas minhas veias. Não vou mentir: dá trabalho, é estressante. Machuca. Eu engordo. Perco sono. Ou o apetite. Mas tudo isso também aconteceria comigo em São Paulo - acho até que com mais frequência que no trecho. Lá naquela vida morna. Cheia de rotina.

Dizem por ai que a rotina é o segredo da vida longa. Será? Não pra mim. A rotina me esmaga e quando ela começa e tomar conta de mim é hora de ir embora. De novo. Não sei por quanto tempo. O próximo trecho sempre pode ser o último. Mas é assim que eu vivo. E depois que acostuma a gente sente falta - parece droga que vicia. Não sei se já nasce com a gente ou se apenas floresce. Mas é um dom. Ou um defeito de fabricação? Um jeito de viver que incomoda uns e assustam outros.

E pra quem perguntou eu digo: se joga! Deixa acontecer. Não exagere nos planos. Não fique triste se eles não se realizarem como você gostaria. E não se preocupe porque sempre dá certo!

Vai. Junte duas ou três coisas importantes e siga seu caminho.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Miau

"Hoje Miau foi pro céu dos gatinhos". Assim minha mãe me deu a notícia.

Ela nasceu no carnaval e nos deixou no dia de Santo Antônio. Datas tão especiais como a gata que me deu tantas alegrias. Companheira de cama de muitas noites. Companheira de brincadeira de muitas tardes. Companheira de sol de muitas manhãs.


Ela chegou em casa logo depois que meu pai morreu. Eu e meu irmão ainda estávamos meio perdidos e ela veio para nos dar um pouco mais de sentido. E lembrar que cada vida que vai tem sempre outra que chega. E assim o ciclo continua pra quem permanece na Terra.

Miau nome engraçado e óbvio. Mas era assim que ela atendia. Tentamos dar outro nomes pra ela. Não adiantou. Só olhava se fosse Miau.

Focinho preto. Olhos azuis. Siamesa de gênio animal. Felina. Brincalhona. Irritadinha. Gostava de brinquedinhos - fitinhas, bolinhas e tudo mais que se mexia. Caçadora de pequenos insetos. E encarava qualquer cão maior que ela. Abusada. Cheia de vida e de energia. Pulava muros, desaparecia no cio. E voltava pra casa. Sempre voltava.

Guerreira. Passou por um câncer há dez anos. Sobreviveu como se nada tivesse acontecido. Teve um AVC há quatro anos e seguiu como se fosse apenas um tropeço. Teve muitos filhotes.

Teve uma vida de rainha. Ração importada. Sardinha. Água fresca. E de fresca ela não tinha nada. Adorava iogurte de morango, brigadeiro e presunto. Saia de qualquer canto quando sentia estes cheiros.

Dizem por ai que gato é estranho, independente e distante. Miau era o oposto. Adorava colo, carinho, amizade. Brincava de de esconde-escode, pega-pega. As vezes parecia cachorro, as vezes gente, as vezes fera. Mas era gato.

Foi ficando velha. Perdendo os dentes. Perdendo o brilho. Ganhando paciência. Tranquilidade. Teve o respeito dos filhotes que mesmo depois de velhos e crescidos ainda abaixanvam a cabeça e o rabo quando apareciam em casa. Era a dona da casa.

Eu e meu irmão saimos de casa e ela ficou lá com minha mãe. Porém cada vez que aparecíamos ela nos aceitava como se fosse vista todos os dias. Ainda me dava um beijinho quando me via. eu pega ela no colo e dizia: me dá um beijinho? Ela encostava o focinho no meu rosto e dava uma lambidinha. 

Sumia nas festas. Aparecia quando alguém novo ia em casa. E adorava cutucar quem não gostava de gatos! Nos ultimos anos o peso da idade caiu sobre seus pelos. Comia pouco. Brincava pouco. Dormia muito.

Não sei se foi o frio ou a idade, mas não resistiu. Subiu ao céu como um anjo. Sem dar trabalho. Dormindo no quintal. Sob o sol que tanto gostava.

Vinte e um anos de vida plena. Vividas com toda a intensidade que um gato pode viver.

Dia triste. Dia de luto. Mais um pedaço de mim que se vai. E que deixa em mim a marca dos amados.

Domingo

O Domingo, por fundamentação bíblica, é considerado o primeiro dia da semana. É um dia de descanso para a maioria das pessoas no mundo ocidental. Povos antigos reverenciavam seus deuses dedicando este dia ao astro Sol. Daí outras denominações para este dia, em inglês temos Sunday, e no alemão Sonntag, com o significado de "Dia do Sol". Isso me dá uma enorme desculpa para gostar tanto do domingo.



Domingo é assim um dia que eu adoro. Acho que por causa dessa tradição de almoço de domingo na casa da vovó. Desde pequena o domingo era o dia do agito. Além do descanso. O almoço nunca era em casa. E se fosse era uma festa.

O domingo até hoje é especial. Nada é comum no domingo. A gente não sabe o que fazer, nem tem hora pra acordar e nada é muito planejado. O objetivo é sair da rotina. É um dia ótimo para conhecer um lugar novo. E também para relembrar um lugar antigo. Dar uma volta num parque. Entrar num museu. Visitar um tio. Encontrar um amigo.

É um dia para esquecer o trabalho - quando a gente não tá trabalhando. Para fazer coisas gostosas, interessantes. Que nos faça lembrar que viver vai além da nossa rotina diária. Mesmo que seja um dia frio e fique o dia todo vendo filme, lendo um livro ou jogando vídeo game.

O domingo é dia preguiçoso. E curto. Mesmo quando começa cedo. Lá em Mucuri/BA a gente ia pescar às seis da manhã. Ou então tomar banho de mar. O sol era tanto logo cedo que não dava pra ficar muito na cama - o ar condicionado não dava conta do sol batendo na janela e esquentando o quarto. Em Bagé/RS a gente corria para o Uruguai - para dar tempo de almoçar lá, fazer umas comprinhas e voltar antes de escurecer e esfriar. Três Lagoas era a beira do rio. Juntava uns dois ou três - ou até uma centena, dependendo do evento - e ia todo mundo pra beira do rio. Tomar banho de água fresca, comer fruta do pé e fazer churrasco, muito churrasco.

Aqui em Curitiba é cidade grande. Com hábitos diferentes e temperatura incerta. Se o tempo for bom o ideal é dar uma caminhada num parque. Num dos inúmeros que existem. Um em cada bairro. Pequenos ou grandes. Fechados e abertos. Com ou sem lago. Com ou sem bosque. Com o sem centro cultural. O que importa é ter espaço. E de preferência o sol. Muito sol!

A hora do almoço também tem que ser diferente. Um restaurante de comida diferente, um pick nick, um churrasco no quintal. Com a família, com  os amigos. Ou só nós dois mesmo. É o dia que dá vontade de fazer a massa do macarrão - já que nada tem pressa. De tomar uma cerveja antes do almoço. De dormir depois do almoço. De tomar café da tarde numa padaria ou na casa de alguém. De comer lanche no jantar.

É o dia de esquecer o relógio. Esquecer das contas pra pagar. Esquecer dos problemas de todos os dias. E de lembrar-se da gente. De dar importância aos nossos pequenos prazeres. De estar perto de quem a gente gosta. De demonstrar cuidado e carinho.

Dia de corrida de fórmula 1, dia de jogo de futebol, de programa do Silvio Santos. Dia de ir à missa. De agradecer. De ligar pra mãe - ou pro pai. Dia de sentar na varanda e não fazer nada. Olhar com atenção para o céu. Ou simplesmente olhar para o céu. Dia de treinar a paciência no trânsito ou na fila do restaurante. No estacionamento do parque ou no caixa do mercado.

Aproveite o domingo para recarregar as energias pra semana. Descase. Divirta-se. Cuide de você. Levante da cama e do sofá com a proposta de ser feliz. E faça aquilo que te deixa feliz. Porque logo acaba. E quando acaba a gente já espera pelo próximo.

"Domingo eu quero ver o domingo passar
Domingo eu quero ver o domingo acabar
Domingo eu quero ver o domingo passar
Domingo eu quero ver o domingo acabar
Até o próximo, até o próximo, até o próximo domingo
Até o próximo, até o próximo, até o próximo domingo"*

*Titãs, música: Domingo. Composição: Toni Bellotto e Sergio Brito.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Morretes

Morretes é uma cidadezinha dessas que a gente acha que só existem em filmes e livros. Ela fica entre a montanha e a praia. Cercada de natureza, de história e de gente feliz.

Há dois meses ela estava debaixo dágua. Destruída. Excesso de chuva que veio serra abaixo inundou o rio Nhundiaquara que corta a cidade. Devastação. Nem parece. Tudo passou rápido e a acidadezinha continua a toda.

No centro tem um coreto, um rio cheio de pedras e uma feirinha de artesanato da região. Os restaurantes servem comida abundante - daquele tipo que se paga X e come até cair. Cardápio simples: barreado e peixe frito. O tal do barreado é um conto a parte, pois tem toda uma tradição de horas cozinhando e depois mistura com a farinha e com a banana. Enfim, um daqueles pratos que a gente tem que experimentar sem mesmo gostar. Se não fosse o exagero de cominho eu bem que encarava, mas meu corpo não tem acordo com o cominho. Em resumo, barreado é uma carne de boi cozida até desmanchar. Com muito cominho. Me salvei como peixe frito. E depois com a banana cozida com canela, açúcar e sorvete de creme.


Tá, a gente não foi até lá só pra comer. A cidade é apaixonante. Tem um quê de Parati, no Rio de Janeiro. E outro quê de qualquer cidade pequena e antiga de Minas Gerais. Poderia ser também alguma coisa de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo. Sabe, ruas de pedra, casarões antigos. Cachaça e boa comida. Hospitalidade e história. Natureza e aventura.

É um daqueles lugares que vc vai para namorar e ficar sentada olhando o rio. Ou então vai pra descer o rio de bote e fazer trilha de bicicleta. Dá pra fazer tudo ao mesmo tempo também. E no final da noite sentar na cara da lareira, tomar vinho e dormir em paz.

É pequena, porém tem uma série de monumentos - igrejas, pontes, marcos - que contam a história do lugar. E tem outras pequenas cidades em volta que também devem ser visitadas e apreciadas: Antonina, Porto de Cima, Paranaguá, Ilha do Mel. E dá pra entrar nos engenhos de aguardente - pra quem gosta.


Chegar lá já é um passeio incrível. A Serra da Graciosa dá o tom. Tem o portal, a mata, a estrada estreita, o infinito número de cascatas e bicas, pontes duvidosas, mirantes sensacionais. Dá vontade de parar a cada quilômetro. E ai de repente vc dá de cara com esse vilarejo. Parece pintura de quadro da Praça do Embú das Artes/SP. Também dá pra ir de trem. Um dia lá atrás na minha infância eu fiz este passeio. Não me lembro de muita coisa, só de um penhasco que dava medo. Quero fazer novamente - dizem que é estonteante.

São apenas sessenta e dois quilômetros de Curitiba. Dá pra ir até lá, almoçar e voltar. Ou curtir o fim de semana. Pelo menos é mais quente que Curitiba! Quando tem sol...

Amei! Amei o clima, as pedras, o rio, o artesanato de fibra de bananeira, as lojas de pedras brasileiras, o café com doce de laranja, a aguardente de banana, a primavera florida na rua da igreja, o coreto animado no domingo a tarde, os restaurantes na beira do rio, o peixe frito, a roda dágua, a igreja velha, o pipoqueiro na praça, os namorados na ponte, a ponte velha, a estrada florida.

Alimentos para o espírito. O corpo relaxa. A alma floresce. E a cabeça agradece.

Mais uma cidade. Mais uma história. Mais uma cultura.

#ficaadica.

Para saber mais: www.morretes.com.br