sexta-feira, 30 de julho de 2010

Mucuri

Mucuri é uma cidade minúscula que vim morar por mais um trecho. Acho que é uma das menores cidades do Brasil...rs... Pense numa vila de pescadores, praia na frente, rio de um lado, muita plantação de mandioca e de coco do outro lado e florestas de eucalipto no que sobrou. A cidade é feia, o povo é estranho, mas o peixe é ótimo o camarão melhor ainda e o coco é muito barato. No meu caso é de graça, pois cresce no quintal de casa. Bem, agora quem nasceu, cresceu e viveu em SP quase 30 anos imagine morar aqui! Imaginou? Duvido que consiga.

Estou no sul da Bahia e a região toda de Mucuri tem uns 25 mil habitantes, bem espalhados pelas praias e pelas roças e estamos distantes quase 100 km de uma cidade grande – digo grande com mais de 100 mil habitantes. Sendo assim, da para começar a entender aonde quero chegar. Tudo aqui é complicado, longe, lento, caro, difícil e tudo mais que se possa acreditar de uma cidade tão pequena. E como se não bastasse, eu moro numa vila de casas que fica fora do centro, distante do comércio, mas de frente para a praia. Melhor assim, já que é para ser radical que seja por completo. Sabe aquela cidade que quando a gente está de férias pensa logo em achar? Sabe aquela praia deserta sem gente, sem bagunça, sem som nenhum – além do mar? Sabe aquele sol que esquenta o corpo e faz a gente se lembrar que é vivo? Consegue lembrar do céu com lua cheia que reflete no mar e deixa a praia prateada? Consegue imaginar um silêncio tão grande que dá para ouvir a grama crescer? Socooooorro! Já imaginou realizar o seu desejo de férias e encontrar o paraíso??? Ahhh, eu não tô exagerando, eu moro neste lugar! O problema é que a maioria das pessoas só consegue agüentar por 1 semana, eu já estou aqui desde janeiro e sabe Deus por quanto tempo.

Morar aqui tem que ser levado como uma experiência sensorial, todos os sentidos ficam aguçados. A vida é muito simples, duma natureza viva que vibra ao nosso redor: os sons do mar que bate, dos pássaros que cantam, do vento que balança os coqueiros. O cheiro do mar, das flores, do protetor solar, do mercado de peixe, dos cozidos de frutos do mar. A visão do sol nascer no mar e se por atrás das árvores, de todas as estrelas do céu, da imensidão azul de céu e mar se unindo, da chuva e do sol ao mesmo tempo, do arco-íris como companheiro. Sentir os gostos dos temperos, dos doces, da culinária local e também do mar. Perceber na pele o frescor do vento sul, o calor do sol, a areia áspera sob os pés e o sal sobre a pele. É isso! Eu poderia falar de milhões de motivos para odiar este lugar, mas prefiro ter milhões de outros motivos para amar e saber escolher o que levar embora quando for anunciado o próximo trecho. O trecho nos dá opção: o que vc vai carregar daqui?

E para completar deixo uma composição de Vinicius de Moraes e Tom Jobim que fala de praia, lua, vento, céu, mar, .... Vida Bela/Praia Branca

Praia branca, tristeza
Mar sem fim
Lua nova
Mulher
Pobre de mim
Vento sul que o seu corpo acarinhou
Céu azul
De manhã me despertou
Barco a vela
Choupana verde cor
Eu e ele, o menino pescador
Vida bela
A maré, peixe do mar
Morte longe
Tem tempo pra pensar

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Trecho

Vida de Trecho é um projeto pessoal que tenho desde que caí na estrada. Nos últimos 3 anos andei por esse mundo e trabalhei e conheci gente e mudei de cidade e muita coisa aconteceu. De tanto me perguntarem "por onde vc anda?" resolvi divir meus pensamentos com o mundo virtual.
Muito desse tempo eu passei sozinha, em casa, pensando e algumas vezes escrevendo. Tenho alguns textos sobre a vida, sobre a minha vida, sobre a vida dos outros e tudo mais.
Hoje tô só me acostumando com a idéia de ter um blog e pretendo ir mesclando texto antigos com o meu cotidiano que sempre tem algo de novo: uma cidade, uma pessoa, uma atividade e assim eu sigo.Antes de tudo quero deixar uma coisa que escrevi na tentativa de explicar o nome do blog, vai lá.

Entrando no clima
Trecho é uma palavra usada pelas pessoas que trabalham em construções de grandes obras e que em cada momento estão em um lugar diferente. É assim: você mora numa cidade para realizar um trabalho, quando este trabalho acaba você vai embora e vai para outra cidade realizar outro trabalho – ou o mesmo – e assim por diante. Eu nem sabia que isso podia acontecer, mas descobri que é um estilo de vida e quem começa e acostuma não consegue largar, uma paixão, um vício.
Comigo aconteceu por sorte do destino. Assim que voltei ao meu casamento, o meu marido recebeu uma proposta de trabalho. A mudança principal era a de cidade. Por muitas vezes  pensamos em morar fora de São Paulo, exatamente por causa dos excessos que a cidade oferece. Pensávamos, mas nunca fizemos nada para que isso fosse real, até que oportunidade apareceu. Você tem que tomar muito cuidado com aquilo que deseja!
E lá fomos nós! Deixei um ótimo emprego, depois de 5 anos na mesma empresa para poder acompanhar o meu marido, e eu achei o máximo. A gente tinha acabado de voltar e entendi que essa era aprova de fogo, pois ficaríamos longe de tudo e de todos e isso provaria se a gente era pra ser mesmo.
Este primeiro trecho foi na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, praticamente 700 km de São Paulo. Era longe, mas perto o suficiente para passar um fim de semana na casa da minha mãe, caso alguma coisa desse errado. Antes de aceitar o emprego, eu e meu marido fomos passar um final de semana na tal cidade que eu nunca tinha ouvido falar.
A chegada na cidade foi interessante e descobrimos que ela nos oferecia um mínimo de conforto necessário. Aquelas coisas de banco, mercado, feira, comércio, restaurante, etc. A primeira coisa que perguntamos no hotel foi: “qual a melhor pizzaria da cidade?” E lá fomos, os paulistas, comer pizza no interior do MS. Era uma casa adaptada com um forno a lenha que servia pizza no quintal e claro, era na rua de trás da igreja matriz da cidade! Um mês após este passeio de reconhecimento já estávamos morando na cidade.
O trecho é assim, a gente chega, constrói uma vida e quando menos se espera vai embora. A maioria destas criaturas é homem e estão sempre atrás de condições melhores de trabalho e vão para aonde for melhor. Esse Brasil enorme tem uma carência muito grande de mão de obra qualificada e para se construir estas mega construções vem gente do mundo todo para ajudar. Alguns carregam a família junto, mas a maioria tem uma base segura em alguma cidade e os homens voltam para casa a cada 15, 20, 30, 60 dias, dependendo do tipo de acordo, do tipo de trabalho e da necessidade da coisa.
Conheci algumas mulheres do trecho, mas nenhuma delas acompanhada de família. Eram separadas ou solteiras, se tinham filhos moravam com o pai ou com a avó, ou sozinhos. Não conheci nenhum homem que acompanha as mulheres que resolvem seguir o trecho. Ao contrário das mulheres que deixam absolutamente tudo para viver ao lado de seus maridos trecheiros. O trecho é praticamente macho – e machista!
A vida do trecho é dura, são muitas horas diárias de trabalho, e como são muitos homens sozinhos o melhor mesmo é trabalhar e chegar em casa só para dormir. Morando em republicas ou sozinhos o melhor é não ter outra preocupação além do trabalho. E ai consegue acumular horas de trabalho para poder curtir as folgas com a viagem de volta pra casa com a família. Nada dessa coisa de fazer comida, cuidar da casa, é só o necessário básico.
Muitas histórias trágicas e engraçadas acontecem: homens que tem 2, 3 famílias, uma em cada cidade, homens sem família (ou com família) que vivem em “bregas” (puteiros) e que vão até lá para se aliviarem das necessidades da carne e da alma, e assim as meninas da casa se tornam amigas, amantes e namoradas fixas e sérias. Mesmo as moças de família da cidade se transformam e muitas delas sonham que um destes homens fiquem com elas e as levem embora para outra cidade – principalmente as cidades maiores – e algumas usam de armas pesadas e inventam gravidez, fazem escândalo, passam de cama em cama a procura de um libertador daquela vida pacata. Com essa quantidade de homens novos na cidade, imagina o alvoroço dessa mulherada. Ainda mais num lugar quente e relativamente pobre como Três Lagoas.
A dinâmica das cidades pequenas com grandes obras é muito interessante. A gente chega na cidade e todo mundo sabe que vc não é de lá. Os costumes, a fala, o modo de se vestir e tudo mais que vc é te entregam e te colocam como herói ou vilão, depende de quem vem do outro lado. As obras geram emprego, desenvolvimento, mas tb abalam as estruturas das cidades. O comércio incha e junto pode vir violência. Não dos trecheiros, mas sim de oportunistas que se aproveitam dos resultados.
Ser trecheiro é ser guerreiro, é não criar raiz, é inventar travessuras e desventuras para que a vida não se resuma ao trabalho, é formar família aonde quer que esteja, é não ter desculpa para fazer churrasco, tomar cerveja e reunir os conhecidos, é ter lembranças boas de todos os lugares, é conhecer terras e águas que muitos não se interessam, é vestir a camisa da empresa até a última gota de suor – até aparecer outra melhor, é enfrentar a saudade do lar, é ser louco e sereno. E se entregar de cabeça na aventura.